Já é por demais conhecida, a história da escravidão, do tráfico africano, e da
contribuição dos diversos grupos de origem africana no Brasil. Dentre essas contribuições
destacamos a culinária. Data de finais do século XVIII a citação mais antiga nas ruas de
iguarias que mais tarde irão compor a chamada ¨cozinha afro-baiana¨, entendida como
¨aquele onde a mão africana se fez sentir profundamente¨ fazendo uso das palavras de
Manuel Querino, em seu trabalho: A cozinha Africana no Brasil. (QUERINO, 1957)
A Carta de Vilhena publicada no final do século XVIII mostra alimentos de influência
indígena, além de doces portugueses feitos por mãos africanas. Nesse sentido, pode-se
reafirmar que africanos desde de cedo aprenderam criar e recriar, enriquecendo esta
¨gastronomia¨ de sabores.
Não deixa de ser digno de reparo ver que das casas mais opulentas desta cidade,
onde andam os contratos e negociações de maior porte, saem oito, dez e mais
negros a vender pelas ruas, a pregão, as coisas mais insignificantes e vis: como
sejam, mocotós, isto é mãos de vaca, carurus, vatapás, mingaus, pamonhas,
canjicas, isto é, papas de milho, acassás, acarajés, abarás, arroz de coco, feijão
de coco, angus, pão-de-ló de arroz, o mesmo de milho, roletes de cana,
queimados, isto é, rebuçados a oito por um vintém e doces de infinitas qualidades.
(VILHENA, 1969, p.130, grifo nosso)
Na carta de Vilhena é notado que há uma imensa variedade de produtos feitos
pelas mãos africanas e dentre elas, preparações em que o azeite de dendê não está
presente. Nesse sentido, pode-se concluir que o africano dominou outras técnicas
gastronômicas, e nesse momento ele passou a influenciar essa cozinha. Na atualidade,
alguns desses pratos vem resistindo às transformações impostas pelo tempo. Ainda é
comum, por exemplo ver nas ruas de Salvador mulheres e homens vendedores de
mingaus, pamonhas, acarajés, abarás, cocadas, dentre outros.
Hildelgardes Vianna muito bem caracterizou esse cenário do século XX, falando
nas mulheres de gamela, vendendo fato de boi e peixe. Mulheres de tabuleiro, mercando
cuscuz, cocada, mingau, bolo; mulheres de balaio ou ganhadeiras, negociando pão,
verduras, produtos da Costa da África. (VIANNA, 1969, p. 201-202).
A descrição de Vianna denota outras comidas que a mão africana se fez presente,
sem a utilização do azeite de dendê.
O professor Guilherme Radel em seus estudos culinários sobre a culinária
regionalista também faz menção a influência africana na cidade de Salvador.
A cozinha africana da Bahia nasceu nos fogões a lenha das casas senhoriais,
manipuladas pelas mucamas. As cunhãs já tinham adaptado as comidas
portuguesas ás condições locais, aos ingredientes encontrados na Bahia. As
mucamas, aos substituírem as cunhãs, introduziram pouco à pouco, a prática
africana nas cozinhas das senhora.[...] fazendo uso da farinha de mandioca, do fubá
de miilho, do dendê, da pimenta, da castanha do caju, do amendoim torrado, do
camarão seco, do feijão fradinho, da banana-da-terra, do quiabo, continuando,
contudo a usar o alho, a cebola, o coentro, o limão. (RADEL, 2006, p.14-15)
É interessante notar algumas receitas publicadas por Radel, comidas cotidianas,
popularizadas pelas mãos dos africanos ou descendentes, umas esquecidas pelo tempo
como o Curu, fubá de amendoim, amoda, mingau azedo de milho.
Kátia Mattoso tem uma obra baseada na economia da cidade de Salvador, fazendo
pouca menção sobre os hábitos alimentares no século XIX. No entanto ela chama
atenção que a rua era lugar de comer e beber. Mattoso traz a descrição de pratos como
como a canjica, mingau de tapioca, ¨acaçás bem quentes¨ de farinha de arroz e de milho,
arroz com carne-seca, inhame cozido etc. ( MATTOSO, 1978, p. 165) Todos eles onde o
azeite de dendê não se faz presente.
Ao falar de uma cozinha africana da Bahia retoma a ideia de uma cozinha em que
africanos criaram ou influenciaram no Brasil com técnicas e costumes, e até mesmo
introdução de novos ingredientes em uma preparação já existente.
Para o professor Vivaldo da Costa Lima, as práticas do candomblé influenciaram
diretamente no processo de afirmação dessa culinária afro-baiana, isso expressa a ideia
de que essas cozinhas se diferenciam. Todavia não podemos confundi-la com a chamada
cozinha ritual, ou cozinha votiva, ou cozinha de santo, ou cozinha sacrificial dos terreiros
de candomblé como demonstra o professor Vilson Caetano de Sousa Junior no livro O
Banquete Sagrado. É certo que essa cozinha ritual influenciou a chamada cozinha afrobaiana.
Nesse tempo foram recriadas muitas das comidas cotidianas dos homens e dos
santos. Pois que os santos comem o que os homens comem. E as comidas mais
elaboradas das festas, das celebrações votivas. Esse foi o tempo do cozinheiro e da
cozinheira escravos, que reproduziam o cardápio basicamente português, mas já
substituindo, trocando ingredientes, colorindo os ensopados com o vermelho do
dendê, inventando variedades de moquecas; usando o inhame, a banana cozida ou
frita no azeite; recriando o caruru, o vatapá. Pratos novos com um sabor antigo -
que era o deles - e um gosto novo - que eles aprendiam.¨( FERNANDES, 2001,
p. 22)
Outra hipótese do professor Vivaldo da Costa Lima é que a presença expressiva e a
fixação de alguns grupos africanos oriundos da mesma região, estabelecidos na Bahia
teria ajudado numa maior ou menos predominância e manutenção de certas tradições
culinárias.
É importante observar que a cozinha afro-baiana ganhou visibilidade ao ser descrita e
observada nas ruas, onde de fato, “homens e mulheres negras transitaram nas cidades
com gamelas e tabuleiros, verdadeiros altares andantes, onde iguarias africanas
alternavam-se o tempo todo com outras” (SOUSA.JUNIOR, 2011, p. 44). Quando se fala
em iguarias africanas, não quer se dizer que foram comidas tais como as que podem ser
encontradas na África, mas comidas feitas aqui na Bahia, comidas que foram recriadas a
partir de outros elementos e técnicas encontradas aqui.
Gilberto Freyre vai mais além, ao observar que os escravos comercializavam
produtos de todo tipo, como vegetais, peixes, comidas prontas, dentre outros: ¨Os negros
e pretas chamados de ganhos serviram para tudo no Brasil: [...] bolo, cuscuz, manga,
banana... ¨ (FREYRE, 2003, p. 537).
Isso resultou na chamada cozinha afro-baiana inspirada por uma cozinha africana
compreendida como um conjunto de técnicas e valores que foram utilizados no
desencadear de receitas culinárias pelos africanos. Como afirma Portela:
“a vinda dos africanos proporcionou, ao mesmo tempo, a transformação da culinária
original da África e o surgimento de uma gastronomia brasileira definitivamente
atrelada à cultura negra.”(PORTELA, 2007, p. 19)
Em outras palavras, ao referirmos à cozinha africana no Brasil, estamos longe de
pensar nesta como uma cópia de iguarias deste continente.
Muitas comidas que eram encontradas nas ruas não resistiram as invenções e
modos de preparar. A introdução de temperos como o pimentão, o tomate, o amendoim, a
castanha de caju comprovam ao mesmo tempo que elas se modificaram a partir dos
novos gostos. É interessante perceber como algumas dessas comidas foram se
modificando, simbolizando o comércio que na maioria das vezes representou a ascenção
dos descendentes de africanos. Na atualidade, o chamado processo de globalização e a
industria de alimentos fizeram com que algumas dessas comidas se modificassem e se
transformassem, como uma especié de releitura de sabores menos intensos e as vezes
mais marcantes. No entanto, as modificações no gosto não tiram o mérito dessa cozinha
que sobressaiu de uma especie de trilogia de culturas e se tornou símbolo de
indentificação cultural do baiano.
Nas ruas de cidades como Salvador, podemos encontrar algumas comidas como
pamonhas, mingaus, cuscuz de tapioca, mungunzá, cuscuz de milho, cuscuz de carimã,
alguns tipos de bolos, sem falar em algumas casas que conservam a tradição das
saborosas frigideiras, pratos todos estes onde o azeite de dendê esta ausente, mas a
mão africana com suas técnicas e práticas, maneiras, jeitos e modos de fazer, fazem-se
sentir profudamente. Em outras palavras, a técnica, o nome, um tempero fazem com que
muitas comidas de procedência diversa possam ser caracterizadas como provinientes ou
originadas da ¨África¨, entendida como algo mítico reiventado no Brasil.
Essa cozinha marcadamente africana - tanto nos elementos constitutivos como nas
técnicas do preparo e na terminologia correspondente - está presente não só na
comida cotidiana do povo - por alguns de seus pratos mais 'ligeiros', ou 'secos' -,
mas também nas celebrações e nas festas populares, na hospitalidade ocasional a
visitantes 'de fora', nos almoços e jantares comemorativos e nos restaurantes
turísticos da comida chamada curiosamente de "típica".(FERNANDES, 2001, p. 22)
Manuel Querino em: A arte culinária na Bahia no ano de 1957 nos coloca diante de
um universo que o próprio autor chamou de sistema alimentar da Bahia. Manuel Querino,
descedente de africano, escritor no iníco do século XX, era profudamente conhecedor de
sua cultura de origem. Ao lado de iguarias onde o azeite de dendê também chamado de
azeite de cheiro é um dos ingredientes essenciais. Querino traz também notícias sobre
pratos como o feijão de leite, escaldado de peixe, frigideira de camarões e até mesmo os
afamados sarapatéis, feijoadas e mocotós. Todos eles elaborados de uma forma ou de
outra com a participação do elemento africano.
Darwin Brandão no livro: A cozinha baiana, no capítulo A tradição está nos
conventos, no ano de 1948 descreve que a negra cozinheira dividiu as honras com o
azeite de oliva e o azeite de dendê, ela também misturou o quiabo ao nabos, ao grão-debico,
aos pepinos, e as berinjelas, e ao maxixe. O autor fala de uma cozinha mista,
portuguesa e africana, ainda mais africana porque era a negra quem cozinhava.
O professor Ericlivaldo veiga em sua tese de doutorado intitulada : A cozinha
baiana do restaurante escola do SENAC do pelourinho – Bahia: Mudança de contexto e
autores, nos trás um caderno de receitas onde aparece o feijão de leite, a feijoada, a
quiabada, o quibebe entre outras. Exemplos de pratos elaborados a partir dos ¨africanos¨
onde o dendê esta ausente:
Ingredientes:
Feijão de Leite
1 ½ de feijão mulatinho
200 g de açúcar
300 ml de leite de coco
Sal à gosto
Modo de preparar:
Cozinhe o feijão e passe no liquidificador com o leite de coco, açúcar
e sal. Coloque para ferver.
Rendimento 15 porções ( VEIGA, 2002)
Sobre a quiabada ele descreve:
Quiabada
Ingredientes:
2 kg de quiabo
1 kg de charque
1 kg de carne bovina
5 dentes de alho moídos
200g de cebola
200g de tomate
3 pimentões
50 ml de óleo
5 ramos de hortelã
1 colher (sopa) de pimenta-do-reino
3 folhas de louro
1 colher (sopa) de óleo
100g de camarões secos inteiros
sal a gosto
Modo de fazer:
Corte as carnes e retire o sal. Refogue em óleo o bacon e o charque. Pronto o
refogado coloque alho, cebola, tomate, pimentão cortado, os demais condimentos e
a carne bovina. Quando a carne estiver pré-cozida, acrescente os quiabos cortados
em rodelas, o camarões secos inteiros e um pouco de água para cozinhar. Sirva
com arroz.
Rendimento 15 porções. (VEIGA, 2002)
Nesta última é importante chamar a atenção para a presença do quiabo, um
elemento tipicamente africano que foi trazido pelos portugueses numa preparação que
mais uma vez não vai o azeite de dendê.
É digno de nota observar que a culinária afro-baiana é uma das mais apreciada em
todo estado, sendo assim percussora das manifestações culturais diversas. Apesar das
discussões recentes sobre o tema do cardápio afro-baiano, se assim podemos chamar,
ainda é comum ver estudiosos reduzir a comida afro-baiana pratos como o caruru e o
acarajé. Para isso pode-se lembrar que há doces como a amoda, cocada, o cuscuz de
vários tipos, ao lado de pamonhas e outras iguarias, todas elas feitas inicialmente pelas
mãos africanas. Entende-se feitas como algo que se este não criou ao menos dominou a
técnica ou simplesmente melhorou o paladar ou popularizou esta comida.
Esta comida que se espalhou por todo Estado e que na atualidade vem se
prestando a curiosas alternativas ou soluções culinárias, a exemplo do que vem
acontecendo com as comidas servidas no tabuleiro ou daquelas que migraram do
tabuleiro para os carrinhos.
contribuição dos diversos grupos de origem africana no Brasil. Dentre essas contribuições
destacamos a culinária. Data de finais do século XVIII a citação mais antiga nas ruas de
iguarias que mais tarde irão compor a chamada ¨cozinha afro-baiana¨, entendida como
¨aquele onde a mão africana se fez sentir profundamente¨ fazendo uso das palavras de
Manuel Querino, em seu trabalho: A cozinha Africana no Brasil. (QUERINO, 1957)
A Carta de Vilhena publicada no final do século XVIII mostra alimentos de influência
indígena, além de doces portugueses feitos por mãos africanas. Nesse sentido, pode-se
reafirmar que africanos desde de cedo aprenderam criar e recriar, enriquecendo esta
¨gastronomia¨ de sabores.
Não deixa de ser digno de reparo ver que das casas mais opulentas desta cidade,
onde andam os contratos e negociações de maior porte, saem oito, dez e mais
negros a vender pelas ruas, a pregão, as coisas mais insignificantes e vis: como
sejam, mocotós, isto é mãos de vaca, carurus, vatapás, mingaus, pamonhas,
canjicas, isto é, papas de milho, acassás, acarajés, abarás, arroz de coco, feijão
de coco, angus, pão-de-ló de arroz, o mesmo de milho, roletes de cana,
queimados, isto é, rebuçados a oito por um vintém e doces de infinitas qualidades.
(VILHENA, 1969, p.130, grifo nosso)
Na carta de Vilhena é notado que há uma imensa variedade de produtos feitos
pelas mãos africanas e dentre elas, preparações em que o azeite de dendê não está
presente. Nesse sentido, pode-se concluir que o africano dominou outras técnicas
gastronômicas, e nesse momento ele passou a influenciar essa cozinha. Na atualidade,
alguns desses pratos vem resistindo às transformações impostas pelo tempo. Ainda é
comum, por exemplo ver nas ruas de Salvador mulheres e homens vendedores de
mingaus, pamonhas, acarajés, abarás, cocadas, dentre outros.
Hildelgardes Vianna muito bem caracterizou esse cenário do século XX, falando
nas mulheres de gamela, vendendo fato de boi e peixe. Mulheres de tabuleiro, mercando
cuscuz, cocada, mingau, bolo; mulheres de balaio ou ganhadeiras, negociando pão,
verduras, produtos da Costa da África. (VIANNA, 1969, p. 201-202).
A descrição de Vianna denota outras comidas que a mão africana se fez presente,
sem a utilização do azeite de dendê.
O professor Guilherme Radel em seus estudos culinários sobre a culinária
regionalista também faz menção a influência africana na cidade de Salvador.
A cozinha africana da Bahia nasceu nos fogões a lenha das casas senhoriais,
manipuladas pelas mucamas. As cunhãs já tinham adaptado as comidas
portuguesas ás condições locais, aos ingredientes encontrados na Bahia. As
mucamas, aos substituírem as cunhãs, introduziram pouco à pouco, a prática
africana nas cozinhas das senhora.[...] fazendo uso da farinha de mandioca, do fubá
de miilho, do dendê, da pimenta, da castanha do caju, do amendoim torrado, do
camarão seco, do feijão fradinho, da banana-da-terra, do quiabo, continuando,
contudo a usar o alho, a cebola, o coentro, o limão. (RADEL, 2006, p.14-15)
É interessante notar algumas receitas publicadas por Radel, comidas cotidianas,
popularizadas pelas mãos dos africanos ou descendentes, umas esquecidas pelo tempo
como o Curu, fubá de amendoim, amoda, mingau azedo de milho.
Kátia Mattoso tem uma obra baseada na economia da cidade de Salvador, fazendo
pouca menção sobre os hábitos alimentares no século XIX. No entanto ela chama
atenção que a rua era lugar de comer e beber. Mattoso traz a descrição de pratos como
como a canjica, mingau de tapioca, ¨acaçás bem quentes¨ de farinha de arroz e de milho,
arroz com carne-seca, inhame cozido etc. ( MATTOSO, 1978, p. 165) Todos eles onde o
azeite de dendê não se faz presente.
Ao falar de uma cozinha africana da Bahia retoma a ideia de uma cozinha em que
africanos criaram ou influenciaram no Brasil com técnicas e costumes, e até mesmo
introdução de novos ingredientes em uma preparação já existente.
Para o professor Vivaldo da Costa Lima, as práticas do candomblé influenciaram
diretamente no processo de afirmação dessa culinária afro-baiana, isso expressa a ideia
de que essas cozinhas se diferenciam. Todavia não podemos confundi-la com a chamada
cozinha ritual, ou cozinha votiva, ou cozinha de santo, ou cozinha sacrificial dos terreiros
de candomblé como demonstra o professor Vilson Caetano de Sousa Junior no livro O
Banquete Sagrado. É certo que essa cozinha ritual influenciou a chamada cozinha afrobaiana.
Nesse tempo foram recriadas muitas das comidas cotidianas dos homens e dos
santos. Pois que os santos comem o que os homens comem. E as comidas mais
elaboradas das festas, das celebrações votivas. Esse foi o tempo do cozinheiro e da
cozinheira escravos, que reproduziam o cardápio basicamente português, mas já
substituindo, trocando ingredientes, colorindo os ensopados com o vermelho do
dendê, inventando variedades de moquecas; usando o inhame, a banana cozida ou
frita no azeite; recriando o caruru, o vatapá. Pratos novos com um sabor antigo -
que era o deles - e um gosto novo - que eles aprendiam.¨( FERNANDES, 2001,
p. 22)
Outra hipótese do professor Vivaldo da Costa Lima é que a presença expressiva e a
fixação de alguns grupos africanos oriundos da mesma região, estabelecidos na Bahia
teria ajudado numa maior ou menos predominância e manutenção de certas tradições
culinárias.
É importante observar que a cozinha afro-baiana ganhou visibilidade ao ser descrita e
observada nas ruas, onde de fato, “homens e mulheres negras transitaram nas cidades
com gamelas e tabuleiros, verdadeiros altares andantes, onde iguarias africanas
alternavam-se o tempo todo com outras” (SOUSA.JUNIOR, 2011, p. 44). Quando se fala
em iguarias africanas, não quer se dizer que foram comidas tais como as que podem ser
encontradas na África, mas comidas feitas aqui na Bahia, comidas que foram recriadas a
partir de outros elementos e técnicas encontradas aqui.
Gilberto Freyre vai mais além, ao observar que os escravos comercializavam
produtos de todo tipo, como vegetais, peixes, comidas prontas, dentre outros: ¨Os negros
e pretas chamados de ganhos serviram para tudo no Brasil: [...] bolo, cuscuz, manga,
banana... ¨ (FREYRE, 2003, p. 537).
Isso resultou na chamada cozinha afro-baiana inspirada por uma cozinha africana
compreendida como um conjunto de técnicas e valores que foram utilizados no
desencadear de receitas culinárias pelos africanos. Como afirma Portela:
“a vinda dos africanos proporcionou, ao mesmo tempo, a transformação da culinária
original da África e o surgimento de uma gastronomia brasileira definitivamente
atrelada à cultura negra.”(PORTELA, 2007, p. 19)
Em outras palavras, ao referirmos à cozinha africana no Brasil, estamos longe de
pensar nesta como uma cópia de iguarias deste continente.
Muitas comidas que eram encontradas nas ruas não resistiram as invenções e
modos de preparar. A introdução de temperos como o pimentão, o tomate, o amendoim, a
castanha de caju comprovam ao mesmo tempo que elas se modificaram a partir dos
novos gostos. É interessante perceber como algumas dessas comidas foram se
modificando, simbolizando o comércio que na maioria das vezes representou a ascenção
dos descendentes de africanos. Na atualidade, o chamado processo de globalização e a
industria de alimentos fizeram com que algumas dessas comidas se modificassem e se
transformassem, como uma especié de releitura de sabores menos intensos e as vezes
mais marcantes. No entanto, as modificações no gosto não tiram o mérito dessa cozinha
que sobressaiu de uma especie de trilogia de culturas e se tornou símbolo de
indentificação cultural do baiano.
Nas ruas de cidades como Salvador, podemos encontrar algumas comidas como
pamonhas, mingaus, cuscuz de tapioca, mungunzá, cuscuz de milho, cuscuz de carimã,
alguns tipos de bolos, sem falar em algumas casas que conservam a tradição das
saborosas frigideiras, pratos todos estes onde o azeite de dendê esta ausente, mas a
mão africana com suas técnicas e práticas, maneiras, jeitos e modos de fazer, fazem-se
sentir profudamente. Em outras palavras, a técnica, o nome, um tempero fazem com que
muitas comidas de procedência diversa possam ser caracterizadas como provinientes ou
originadas da ¨África¨, entendida como algo mítico reiventado no Brasil.
Essa cozinha marcadamente africana - tanto nos elementos constitutivos como nas
técnicas do preparo e na terminologia correspondente - está presente não só na
comida cotidiana do povo - por alguns de seus pratos mais 'ligeiros', ou 'secos' -,
mas também nas celebrações e nas festas populares, na hospitalidade ocasional a
visitantes 'de fora', nos almoços e jantares comemorativos e nos restaurantes
turísticos da comida chamada curiosamente de "típica".(FERNANDES, 2001, p. 22)
Manuel Querino em: A arte culinária na Bahia no ano de 1957 nos coloca diante de
um universo que o próprio autor chamou de sistema alimentar da Bahia. Manuel Querino,
descedente de africano, escritor no iníco do século XX, era profudamente conhecedor de
sua cultura de origem. Ao lado de iguarias onde o azeite de dendê também chamado de
azeite de cheiro é um dos ingredientes essenciais. Querino traz também notícias sobre
pratos como o feijão de leite, escaldado de peixe, frigideira de camarões e até mesmo os
afamados sarapatéis, feijoadas e mocotós. Todos eles elaborados de uma forma ou de
outra com a participação do elemento africano.
Darwin Brandão no livro: A cozinha baiana, no capítulo A tradição está nos
conventos, no ano de 1948 descreve que a negra cozinheira dividiu as honras com o
azeite de oliva e o azeite de dendê, ela também misturou o quiabo ao nabos, ao grão-debico,
aos pepinos, e as berinjelas, e ao maxixe. O autor fala de uma cozinha mista,
portuguesa e africana, ainda mais africana porque era a negra quem cozinhava.
O professor Ericlivaldo veiga em sua tese de doutorado intitulada : A cozinha
baiana do restaurante escola do SENAC do pelourinho – Bahia: Mudança de contexto e
autores, nos trás um caderno de receitas onde aparece o feijão de leite, a feijoada, a
quiabada, o quibebe entre outras. Exemplos de pratos elaborados a partir dos ¨africanos¨
onde o dendê esta ausente:
Ingredientes:
Feijão de Leite
1 ½ de feijão mulatinho
200 g de açúcar
300 ml de leite de coco
Sal à gosto
Modo de preparar:
Cozinhe o feijão e passe no liquidificador com o leite de coco, açúcar
e sal. Coloque para ferver.
Rendimento 15 porções ( VEIGA, 2002)
Sobre a quiabada ele descreve:
Quiabada
Ingredientes:
2 kg de quiabo
1 kg de charque
1 kg de carne bovina
5 dentes de alho moídos
200g de cebola
200g de tomate
3 pimentões
50 ml de óleo
5 ramos de hortelã
1 colher (sopa) de pimenta-do-reino
3 folhas de louro
1 colher (sopa) de óleo
100g de camarões secos inteiros
sal a gosto
Modo de fazer:
Corte as carnes e retire o sal. Refogue em óleo o bacon e o charque. Pronto o
refogado coloque alho, cebola, tomate, pimentão cortado, os demais condimentos e
a carne bovina. Quando a carne estiver pré-cozida, acrescente os quiabos cortados
em rodelas, o camarões secos inteiros e um pouco de água para cozinhar. Sirva
com arroz.
Rendimento 15 porções. (VEIGA, 2002)
Nesta última é importante chamar a atenção para a presença do quiabo, um
elemento tipicamente africano que foi trazido pelos portugueses numa preparação que
mais uma vez não vai o azeite de dendê.
É digno de nota observar que a culinária afro-baiana é uma das mais apreciada em
todo estado, sendo assim percussora das manifestações culturais diversas. Apesar das
discussões recentes sobre o tema do cardápio afro-baiano, se assim podemos chamar,
ainda é comum ver estudiosos reduzir a comida afro-baiana pratos como o caruru e o
acarajé. Para isso pode-se lembrar que há doces como a amoda, cocada, o cuscuz de
vários tipos, ao lado de pamonhas e outras iguarias, todas elas feitas inicialmente pelas
mãos africanas. Entende-se feitas como algo que se este não criou ao menos dominou a
técnica ou simplesmente melhorou o paladar ou popularizou esta comida.
Esta comida que se espalhou por todo Estado e que na atualidade vem se
prestando a curiosas alternativas ou soluções culinárias, a exemplo do que vem
acontecendo com as comidas servidas no tabuleiro ou daquelas que migraram do
tabuleiro para os carrinhos.
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