segunda-feira, 5 de agosto de 2013

a SeXtA e O AzEiTe...

Os especialistas em religião  afirmam que, quando há encontro entre  duas crenças, há  contribuição mútua. O almoço da Sexta-feira da Paixão na Bahia é uma amostra dessa afirmação. No encontro entre o catolicismo e as religiões afro-brasileiras, o costume de comer peixe vem da primeira. Já o azeite de dendê, tão usado no  candomblé, monopolizou praticamente todo o cardápio.
Diferentemente do que costuma ser chamado de  “sincretismo”, o termo associação religiosa é muito mais rico e abrangente para explicar essa interação culinária. Isso porque ele demonstra não uma substituição de uma fé pela outra, mas uma ressignificação a partir da convivência em comum.
“É muito claro para o povo de santo que quem está sendo celebrado na Sexta-feira Santa não é Oxalá. Por isso o azeite de dendê está tão presente. É o princípio do  igbó”, explica o historiador, professor universitário e religioso do candomblé Jaime Sodré. 
O termo igbó, em várias culturas africanas de língua iorubá, que são originárias de onde hoje está a Nigéria, pode ser traduzido como “visitante” ou “estrangeiro”. Ou seja, para esses povos não havia problemas em reverenciar um deus de fora.
Visitante - Salvador foi um porto em que etnias de língua iorubá chegaram em grande número. Uma das mais conhecidas e presentes tradições do candomblé, a ketu ou nagô, é originária dessa cultura. O uso do dendê, típico entre esses  povos, encontrou-se com o costume católico de comer peixe nesse período. 
“O peixe é um símbolo cristão que tem muita força simbólica”, explica o doutor em antropologia, professor da Ufba e religioso do candomblé  Vilson Caetano. A força simbólica do peixe para os cristãos vem das letras com que é escrito em grego: IXTIS. Elas indicam  Jesus Cristo, Deus, Filho, Salvador. 
“A partir do hábito católico de comer peixe na Sexta-feira da Paixão, o africano do litoral acabou acrescentando um dos seus ingredientes próprios: o dendê”, acrescenta Caetano.
Um dado interessante é que nesse hábito não  há a tentativa de misturar rituais religiosos. Mesmo porque há o entendimento de que Oxalá não está presente não só devido ao azeite de dendê, mas também  por ser uma data que lembra a morte.
Separação - “Para as religiões de matriz africana, há uma clara separação  entre as divindades que são energia, os orixás, inquices e voduns, e os eguns, que são provenientes de pessoas que já passaram pela terra e que têm um culto muito específico”, acrescenta Jaime Sodré.
Vilson Caetano salienta que a morte é um dos temas mais significativos e importantes no universo afrorreligioso. “O entendimento é de que a morte é a vida que se prolonga de outra forma. Portanto, é inegável que o universo simbólico católico foi ressignificado pela visão das religiões de matriz africana’, diz o antropólogo.
Ele conta, inclusive, que sua reflexão sobre esse toque africano na data foi ortalecida ao ouvir uma ialorixá chamar a Sexta-feira Santa de “maior”. “Inclusive essa era uma expressão muito em uso pelos mais velhos e que, hoje,  já não é tão constante. Mas isso significa, a meu ver, que existe a questão do respeito pela fé do outro. Há também uma canção do culto de caboclo que diz: o dia maior da aldeia/ é o dia da Sexta-feira”, acrescenta o antropólogo.

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